Quando a primeira Vila Reencontro foi inaugurada, na véspera do Natal do ano passado, a Prefeitura de São Paulo colocou em prática uma política inovadora de acolhimento a pessoas em situação de rua para fazer frente aos impactos da crise econômica na vida das famílias. Veja os relatos de famílias que hoje vivem um recomeço aqui.

A iniciativa é inspirada no modelo Housing First (Moradia Primeiro), adotado em países como Canadá, Finlândia e Estados Unidos, e tem como ponto de partida a moradia transitória para quem vive em situação de vulnerabilidade. 

Atualmente, a cidade conta com duas Vilas Reencontro, a Cruzeiro do Sul, na zona norte, inaugurada em dezembro de 2022, e a Anhangabaú, no centro da cidade, entregue em fevereiro deste ano. 

Juntas, elas possuem capacidade para acolher até 360 pessoas. Cada vila conta com 40 casas modulares de 18 m², equipadas com fogão, geladeira e ventilador de teto, além da mobília montada de acordo com a configuração de cada família. 

Ao redor das casas, há playground, horta comunitária, cozinha equipada e lavanderia. Para implantar as duas vilas foram investidos pouco mais de R$ 6 milhões. Nesses espaços, são servidas 840 refeições (café da manhã, almoço, café da tarde e jantar) por dia. 

A pioneira das vilas, a Cruzeiro do Sul, que fica no terreno do antigo clube da CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos), completa seis meses de funcionamento neste mês de junho. 

 

Avanços 

Nesse período, houve avanços consideráveis na vida das famílias, que, além de recuperarem a autoestima e a privacidade, passaram a ter outras perspectivas como poder trabalhar, ter os filhos matriculados em escolas e possuir um endereço fixo. 

Em seis meses, nove famílias conseguiram emprego com carteira assinada, sendo que quatro delas estão sendo preparadas para saída qualificada, ou seja, para conquistarem a autonomia, por meio de suas próprias rendas. 

A outra vila, a Anhangabaú, não fica atrás: já são seis famílias trabalhando, sendo cinco delas no regime CLT, e a outra, como PJ (Pessoa Jurídica). 

Os relatos de quem agora tem uma moradia digna são emocionantes. O caso de Viviane Aparecida Germano, que está na Vila Reencontro Anhangabaú, é um bom exemplo. Ela e os filhos moravam em uma comunidade na região central e, com ajuda dos assistentes sociais, conseguiram vaga em uma das casas modulares. Viviane hoje integra o Programa Operação Trabalho. 

"Eu não sabia que era mobiliada. Foi uma grande surpresa. Só vim com a roupa do corpo e a televisão. É tudo de bom. Um chuveirinho para tomar banho e dar banho nas crianças, um ventilador. Eu não tinha nada disso. Se não fosse esse lugar aqui eu nem sei o que seria, porque talvez o barraco já tivesse caído na gente, pois as madeiras já estavam podres. Falei: ‘Ai, meu Deus, o que será que vou fazer da vida agora?’. Serviço, moradia, tudo de bom. Eu não tinha nem uma coisa nem outra. Agora tenho", disse. 

Já o casal Kleber Fernandes de Athaide, 35, e Cintia dos Santos Freitas, 37, foram acolhidos na Vila Reencontro em abril deste ano, depois de ter que abandonar o apartamento onde viviam na zona norte por falta de condições para pagar o aluguel. 

Foram morar na rua, depois levados a um hotel social, até que o serviço de assistência da Prefeitura encaminhou os dois, juntamente com o pequeno Anthony, de um ano e meio, para uma das casas da vila no Anhangabaú. "É a virada para uma nova fase da nossa vida. Hoje, temos estabilidade e autonomia aqui para também receber a nossa filha, que nasce daqui a dois meses", disse Kleber, que também recebe ajuda da Prefeitura para conseguir um emprego. "Nos estenderam a mão não só com essa casa, mas com dignidade, e isso é o que vai nos ajudar a levantar", afirmou Cintia. 

 

Diariamente, as equipes multidisciplinares das vilas auxiliam no desenvolvimento interpessoal e comunitário das famílias, além de prestarem atendimento de acordo com as necessidades individuais dos acolhidos. No espaço, as crianças têm suas carteiras de vacinação colocadas em dia e recebem acompanhamento nutricional. 

 

Outra característica das vilas é o modelo de administração sob responsabilidade da AVSI (Associação Voluntários para o Serviço Internacional), com supervisão da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. A ONG, presente em mais de 30 países, tem expertise na promoção do desenvolvimento social. 

 

Os acolhidos na Vila Reencontro são estimulados a participar de coletivos de limpeza, alimentação, cultura e lazer, horta e cogestão. Além disso, a rotina nas vilas conta com palestras, oficinas, atividades esportivas e de recreação, ioga, entre outras. 

 

Ambas as vilas têm outra característica em comum: receberam intervenções artísticas de um coletivo de grafiteiros. Casas e paredes ganharam colorido e imagens que representam o "reencontro". 

 

Ao receber as chaves de sua nova residência, a representante dos moradores da Vila Reencontro Cruzeiro do Sul, Jenneferly da Silva, emocionou a todos com suas declarações: "Nunca a Prefeitura teve um olhar humanizado como agora. A gente chegou numa situação dessa não porque quis. Estou há seis anos na luta por moradia digna. A vila é um passo para a nossa dignidade. Só a gente sabe o que passamos", afirmou. 

 

A moradora continuou seu relato sobre o drama que viveu nas ruas. "Tenho dois filhos e sempre fomos apenas um número. Quando mando currículo, a empresa vê que a gente mora num abrigo, nem chamam. Ninguém sabe o sentimento de abrir uma geladeira, ter um banheiro só seu. Isso é dignidade que agora vamos ter", disse Jenneferly. 

 

Para ter um ar ainda mais humanizado e colorido, a Vila Reencontro Cruzeiro do Sul recebeu desenhos feitos por um coletivo de grafiteiros composto por 11 homens e uma mulher. O layout colorido, retratado nas laterais das casas modulares e nas paredes de áreas comuns do espaço, reproduz uma leitura iconográfica, ou seja, imagens nas quais a temática "reencontro" é trabalhada inconscientemente. 

 

"Tive o cuidado de conversar com os artistas e pedir que contemplem a cara de todos os povos, em todas as dimensões de população, que estão tendo uma chance de desenvolvimento e resgate da sua dignidade, por meio de um recomeço com uma casa", afirmou o líder do coletivo, Marcelo Zuffo, 51, professor de Arte e História da Arte e grafiteiro há 20 anos. 

 

Novas vilas 

 

Em julho, a Prefeitura de São Paulo entrega outras duas novas vilas, uma no Pari (região central) e outra em Santo Amaro (zona sul). Serão 170 novas unidades modulares com capacidade para abrigar 680 pessoas.